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Balanço de Portugal no Euro 2020 - Emanuel Lomelino

Imagem telegraph

Portugal entrou neste Euro como detentor do troféu e, apesar do grupo difícil que calhou em sorte, não se esperava menos que a qualificação para os oitavos de final. Isso foi alcançado, mas existem sempre alguns “mas” que se colam ao desempenho da selecção.

Sendo quase unanime que, qualitativamente, este grupo de jogadores é superior ao apresentado em 2016, todos tínhamos expectativas elevadas e esperávamos um futebol mais vistoso.

Estando a baliza entregue a “São” Patrício (voltou a sê-lo frente aos franceses) tínhamos a certeza de estar em boas mãos e, caso algo lhe acontecesse, qualquer dos substitutos dava garantias de ser boa opção.

Na lateral direita, com a indisponibilidade, de última hora, de Cancelo, era óbvio que o lugar seria de Nelson Semedo que não comprometeu no primeiro jogo, mas no segundo, também por falta de apoio, foi um autêntico espectador privilegiado e porta de entrada para as finalizações alemãs. A chamada de Diogo Dalot foi acertada como comprovam os minutos jogados contra França e Bélgica, no entanto, falta-lhe a capacidade atacante que a selecção perdeu com a saída de Cancelo.

Na lateral esquerda estamos bem servidos com Raphael Guerreiro e temos a certeza de que Nuno Mendes, pela qualidade demonstrada no clube, é uma óptima opção de futuro e, mais cedo ou mais tarde, será o dono da posição.

Na zona central, Pepe, Rúben Dias e José Fonte, eram os nomes mais acertados para esta competição, e isso foi provado em campo.

No meio-campo, Danilo Pereira, William Carvalho, João Moutinho, Rúben Neves, João Palhinha, Sérgio Oliveira e Renato Sanches sempre deram garantias de boas performances, no entanto, tudo dependeria das opções técnicas, e as alterações feitas após o desastre de Munique deveriam ter sido efectuadas mais cedo, como provado no jogo com a França.

Nas posições de ataque, colocando de lado o indiscutível Cristiano Ronaldo que, com mais ou menos dificuldade, sempre entrega tudo de si com resultados, e mesmo aceitando que, pelo valor individual, Bruno Fernandes, Gonçalo Guedes, Rafa, Pedro Gonçalves, João Félix, Diogo Jota, Bernardo Silva e André Silva, mereceram ser convocados, fica a sensação de que alguns só são chamados para fazer número e outros têm a titularidade garantida mesmo deixando muito a desejar.

Nos quatro jogos disputados pela selecção, ficou claro, mais uma vez, que Bernardo Silva e Diogo Jota procuram mais o brilho pessoal do que contribuir para o bom desempenho colectivo. Aliás, essa evidência fica mais óbvia se verificarmos que os melhores momentos da equipa, nesta prova, aconteceram precisamente após ambos terem sido substituídos.

A estes dois jogadores, de inegável categoria, juntamos Bruno Fernandes, que não comprometendo o jogo da equipa pouco acrescentou e surge-me uma questão pertinente: Por que razão estes jogadores desenvolvem futebol de excelência nos respectivos clubes e na selecção não conseguem ser mais que medianos? É culpa do seleccionador, que lhes pede funções fora das suas capacidades? Talvez um dia consiga encontrar as respostas que agora me fogem completamente ao conhecimento.

Quanto ao seleccionador Fernando Santos, a quem sempre agradeceremos pelo que nos possibilitou conquistar, não podemos deixar de criticar algumas obsessões. Mesmo compreendendo a sua preocupação em ter em mãos um grupo unido, entrosado e confiante, não deixa de ser, no mínimo, estranho que não veja os desequilíbrios provocados pela utilização constante de Bernardo Silva e Diogo Jota. Estes dois jogadores, tal como referi anteriormente, demonstram mais preocupação individual que colectiva, não ajudam os laterais e desamparam o trabalho de Cristiano Ronaldo, a quem se pede que esteja na área para finalizar, mas também que recue para pegar no jogo.

Neste ponto, também devo tecer algumas considerações uma vez que, tal como referido pelo próprio, mas não aproveitado pelo técnico, o capitão já não é o mesmo de há cinco anos atrás, tem vindo a adaptar as suas valias ao futebol moderno e precisa de um apoio mais firme na linha de ataque. Ora, para essa função e tendo em conta as tarefas entregues a Cristiano Ronaldo, o seleccionador tem à disposição André Silva, a quem recorre apenas em última instância.

Outra das obsessões de Fernando Santos é a dupla Danilo-William. Até posso concordar que em situações específicas sejam a melhor opção, no entanto, já ficou provado múltiplas vezes que Renato Sanches tem futebol suficiente para ser titular indiscutível desta equipa. O médio do Lille é, a par de “São” Patrício, Pepe e do capitão, um jogador que prefere quebrar a torcer e entrega-se no limite quando joga pela selecção.

Depois existe um naipe de jogadores que, até pode ser implicância minha, nunca estiveram perto de demonstrar valor suficiente para integrar o plantel. Rafa e Rúben Neves e Gonçalo Guedes (que fez de Éder na Liga das Nações), podem ser jogadores importantes nos seus clubes, mas quando se trata da selecção, só esporadicamente, fizeram algo significativo. Muitos podem dizer que o seleccionador deu-lhes poucas oportunidades, mas a verdade é que quando as tiveram raramente foram decisivos.

Por último, deixo no ar um alerta. Cristiano Ronaldo tem sido, pela sua forma de estar e ambição no futebol, o grande motor da nossa selecção. Nunca, ao longo de quase vinte anos, nós vimos um leque de tanta qualidade em seu redor. Ganhámos campeonatos porque os jogadores sabiam que tinham de complementar o capitão em vez de tentarem ser eles os astros. Ganhámos troféus porque os restantes jogadores compreenderam que jogando de forma complementar, em equipa, todos eles sairiam beneficiados. Este grupo de jogadores é mais completo, mais competitivo, mais valoroso, no entanto, para que as coisas funcionem como no Euro 2016 e na Liga das Nações 2019, Bernardo Silva e Diogo Jota devem acordar para a vida e olhar os exemplos de Nani e Quaresma que, sendo grandes jogadores, foram ainda melhores porque não tiveram problema algum em assumir papéis secundários, pela presença de Ronaldo. Caso isso não aconteça, temo que, quando o capitão deixar a selecção, voltemos a entrar nas competições apenas para tentarmos alcançar a melhor posição possível.

Portugal é um país pequeno com uma fonte de recrutamento reduzida, no entanto, longe vai o tempo em que rezávamos para não levarmos mais de três das equipas belgas, alemãs, francesas, italianas ou espanholas.

Hoje, por múltiplas circunstâncias, incluindo a conquista recente de títulos, Portugal deixou de ser visto como um país incómodo, mas facilmente ultrapassável, para ser considerado um alvo a abater. E é com esse aspecto em mente que devemos exigir sempre mais e melhor à nossa selecção. Todos sabemos que não podemos nem conseguiremos ganhar sempre, mas também sabemos, porque vemos, que temos jogadores com qualidade suficiente para vencer qualquer selecção, em qualquer competição. Assim eles o queiram.

Há jogos, como contra a Alemanha, em que nada sai bem e saímos derrotados com justiça. Há jogos, como contra a Bélgica, em que a sorte não esteve do nosso lado e saímos derrotados, mas com a cabeça erguida. No entanto, por mais que possamos concordar com a justeza ou destino de um resultado, não podemos nem devemos conformar-nos com a derrota. Ganhar ou perder faz parte da vida, mas devemos sempre exigir que lutem pela vitória.

Enfim, em resumo e para terminar, aquilo que eu pretendo transmitir vai ao encontro das palavras de Fernando Santos após a eliminação deste Euro. Não estamos contentes, bem pelo contrário, queríamos mais, por sabermos que valemos mais. Agora é levantar a cabeça, analisar o que correu mal, corrigir, e partir para o mundial com sede de vitória, porque Portugal pode e deve entrar sempre para ganhar.

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