Desde que acompanho o futebol do Brasil mais de perto e com maior assiduidade sempre fui confrontado com a postura cooperativista da maioria dos jornalistas brasileiros em relação aos técnicos do país.
O discurso desmesuradamente enaltecedor do valor real dos seus treinadores, em comparação com estrangeiros, que se compreende numa perspectiva de valorização dos produtos nacionais, baseava-se simplesmente no facto do Brasil ter sido campeão mundial em cinco ocasiões. Todavia, uma linha de pensamento alicerçada nesse argumento, apenas camufla a realidade e empobrece a discussão do jogo impedindo o desenvolvimento assertivo, tantos dos clubes como das competições.
Uma coisa era ser técnico de equipas comandadas em campo por vários astros que decidiam todas as partidas com o seu talento, como aconteceu com o Brasil de Pelé, Tostão, Carlos Alberto Torres, Gérson e Rivellino, entre outros, outra bem diferente é treinar e conduzir equipas em jogos que exigem mais que qualidade técnica e onde os detalhes táticos e destreza organizativa são preponderantes e decisivos, como aconteceu no mundial em 82 contra a Itália de Enzo Bearzot.
É evidente que ao longo da história houve treinadores brasileiros com qualidade acima da média, no entanto, nem todos os troféus conquistados por clubes e pela selecção devem-se aos méritos dos técnicos, bem pelo contrário.
O maior exemplo, ou pelo menos aquele que pode ilustrar esta tese que defendo, é o Flamengo de 81. Carpegiani pode ser um nome consagrado no Brasil, mas internacionalmente quase ninguém sabe quem foi porque deixou poucas marcas para além dessa conquista. Ao contrário de Bob Paisley, técnico derrotado nessa prova, que alcançou um patamar de resultados bem relevante, sendo considerado um dos mais importantes da história, com a curiosidade de ter treinado apenas o Liverpool.
Na mesma linha de raciocínio, a pergunta que se impõe é: quanto treinadores brasileiros de top tiveram trabalhos de sucesso na Europa? Scolari fez um bom trabalho na selecção portuguesa, mas fracassou em grande no Chelsea. Luxemburgo nem aqueceu o lugar no Real Madrid.
É certo que Telê Santana e Muricy Ramalho não tiveram a oportunidade de mostrar as suas qualidades na Europa, mas Carlos Alberto Parreira, em Espanha, e Sebastião Lazaroni, em Itália, transformaram a chance em rotundo fracasso.
Por outro lado, e porque aos olhos dos brasileiros o futebol em Portugal é desconsiderado, Otto Glória, Carlos Alberto Torres, Marinho Peres e Abel Braga, entre outros, fizeram bons trabalhos, embora sem reconhecimento internacional.
Repito, sempre existiram bons técnicos no Brasil, no entanto, na hora de analisar as competências, não se deve generalizar os méritos dos treinadores por conquistas isoladas, pontuais, e com condições e especificidades particulares.
A realidade é ainda mais simples de identificar quando técnicos de segundo ou terceiro escalão do futebol europeu chegam ao Brasil e, nem sempre com elevada nota artística, conquistam em pouco tempo os troféus mais apetecidos pelos clubes brasileiros.
O futebol brasileiro e, por consequência, também os jornalistas desportivos, estão num momento propício para reflexão e abertura de debate sobre aquilo que querem para o futuro e quais os rumos que devem ser trilhados para que a modalidade possa evoluir e voltar a ser relevante no panorama internacional.
O valor do futebol brasileiro não esteve, nem está, ligado à maior capacidade dos técnicos. Mas isso pode ser alterado. E a única forma de alterar é deixar de lado o cooperativismo nacionalista e analisar as coisas como elas são, outorgando os méritos a quem faz por merecê-los, criticar quem merece sê-lo, mas com critério e, acima de tudo, com argumentos construtivos, em vez de discursos fantasistas que apenas servem para enganar os adeptos.
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