Avançar para o conteúdo principal

Regresso ao passado distante? - Emanuel Lomelino

Foi bizarramente assustador assistir às duas últimas performances da selecção portuguesa de futebol.

Portugal entrou nesta etapa, de apuramento para o Mundial do Qatar, com a faca e o queijo na mão, dependendo apenas de si e com todos os trunfos em condições básicas de utilização.

Mas, mais uma vez, como se estivéssemos numa espécie de regresso ao passado (neste caso até bem distante), voltámos a demonstrar uma confrangedora síndrome de pequenez. É inacreditável como não se consegue encarar a realidade e assumir, completamente, o papel de potência futebolística.

Os dois últimos jogos fizeram-me recordar a selecção dos anos oitenta e noventa que, apesar de jogadores geniais, nunca conseguia colocar em campo toda a sua qualidade, porque preferia – erradamente – adaptar-se ao jogo dos adversários, em vez de impor o que de melhor tem para oferecer.

Com toda a qualidade e, principalmente, conquistas alcançadas, é inadmissível colocar-se em risco um apuramento, que nunca poderia ter sido colocado em causa, menos ainda levando em consideração as selecções que compunham este grupo.

É ridículo – no mínimo – observar que o único jogo razoável desta campanha tenha sido o disputado no Azerbaijão. Todos os outros resultados foram alcançados numa espécie de rendimento mínimo aplicável.

É certo que deve ser dado mérito aos oponentes, no entanto, sem prejuízo de desvalorização do rendimento das outras selecções, exige-se muito, mas muito mais, de uma selecção com valores individuais reconhecidos internacionalmente.

Também é incompreensível a falta de atitude competitiva de alguns futebolistas aquando dos jogos na equipa nacional. Diogo Jota, Bruno Fernandes, João Félix e, principalmente, Bernardo Silva, ainda não conseguiram demonstrar um décimo daquilo que produzem nos respectivos clubes.

Não sei se é uma questão de mau aproveitamento técnico ou relaxamento excessivo pela presença intocável de Cristiano Ronaldo. O que sei é que a vontade do capitão, mesmo com menor fulgor físico – natural porque a idade não perdoa – não tem paralelo nesses atletas mencionados e, se for essa a razão para o fraco rendimento, é muito triste sentir que a vaidade e os egos podem colocar em risco – como colocaram – a continuidade da presença portuguesa em fases finais das competições futebolísticas, que tem sido ininterrupta desde o Euro 2000, quase vinte e dois anos – seis Euros e cinco Mundiais.

A confirmar-se essa falta de aplicação por motivos egocêntricos, não deixa de ser preocupante o futuro da equipa nacional tendo em conta que, por mais que as capacidades físicas do capitão se venham a degradar, os resultados práticos da sua inclusão e a influência daquilo que oferece têm sido determinantes na globalidade dos êxitos alcançados e sem ele não se antevê quem possa aportar esse factor desequilibrante.

Por último, e porque este desabafo escrito já está demasiado longo para os parâmetros deste blogue, é impressionante verificar que, depois de tanta gritaria para o regresso do público aos estádios portugueses, o ambiente no jogo mais decisivo desta qualificação tenha sido tão frouxo e desinteressado. Mais um detalhe que faz lembrar as décadas de oitenta e noventa.

Espero sinceramente que tudo possa ser colocado nos eixos nas partidas de play-off, mas a verdade é que, mesmo sendo cabeça de série, existe uma possibilidade enorme de Portugal falhar a sexta participação consecutiva num Mundial.

E se isso acontecer, só ficarei desiludido por achar que Cristiano Ronaldo não merece esse desfecho de percurso na selecção.  

Quando o assunto é futebol, todos achamos as nossas opiniões válidas, irrepreensíveis e à prova de qualquer refutação. Neste caso não assumo a imbatibilidade dos meus argumentos, mas também não posso deixar de expressar o meu tremendo descontentamento pela forma bizarra como todos os envolvidos nos dois últimos jogos da selecção actuaram: dirigentes, técnicos, jogadores e adeptos nas bancadas.

Leiam mais textos sobre a Selecção portuguesa neste link

Acompanhem-nos no Twitter e no Facebook

Comentários

Mensagens populares deste blogue

No lado errado da estrada - Emanuel Lomelino

Imagem UOL Não há quem possa colocar em causa o talento, com laivos de genialidade, de Neymar, no entanto, por culpa de astros anteriores, e até contemporâneos, ser craque exige muito mais do que a qualidade em campo. Podem existir muitas razões para explicar a instabilidade de Neymar, mas a mais óbvia está umbilicalmente ligada à sua necessidade, quase obsessão, em andar nas bocas do mundo, a toda a hora. Desde muito cedo na sua carreira, e talvez por isso, ficou evidente a falta de formação humana que lhe deviam ter incutido. Ao contrário de outros grandes jogadores, Neymar nunca quis abdicar de uma vida boémia, qual menino mimado, para se dedicar de alma e coração à carreira escolhida. Só que essa recusa tem um preço a pagar. Mais ainda se a tudo isto juntarmos o facto de, no mesmo espaço temporal, existirem Messi e Ronaldo, e agora terem aparecido Mbappé e Haaland. Neymar até não tem sido menos “bad boy” que outros craques do passado, como Romário ou Ronaldinho Gaúcho, mas

Uma Vez Flamengo... - Adriana Mayrinck

Pintinho em um Fla x Flu. Foto do seu arquivo pessoal Flamengo e Fluminense (fotos retiradas da internet) Uma lembrança longínqua, não sei ao certo a minha idade, talvez cinco ou seis anos. Lembro-me dos detalhes da sala, do tapete em que eu ficava deitada em almofadões, com as minhas botas vermelhas, a poltrona do “papai” como era chamada, aquele lugar que só o meu avô podia sentar, ao lado de uma mesinha com tampo de mármore, sempre com um copo de cerveja Skol e uma latinha ao lado, em frente a uma TV. Não lembro quase nada dessa época, algumas coisas muito pontuais, talvez por tantas vezes ver as fotografias, no tempo que morei no apartamento dos meus avós, na Gonçalo de Castro, enquanto a nossa casa era construída, em um condomínio ASBAC, na Granja Comary, em Teresópolis. Mas lembro que andava pelos calçadões de Copacabana com os meus três anos de idade, lembro do balanço na pracinha Serzedelo Correia, quando, recém-chegada de Recife, onde nasci, aprendi a amar aquele bairro. P

Surpresa ou início de novo ciclo - Emanuel Lomelino

Imagem A Bola (José Lorvão) Vivemos um tempo atípico e, tal como está a acontecer noutras áreas, por todo o mundo, também o futebol está a ser influenciado por essa falta de normalidade. No caso português, e considerando as últimas quatro décadas, fica um pouco estranho ver o Sporting Clube de Portugal na liderança do campeonato, mais ainda com a vantagem pontual tão acentuada. É certo que ainda agora começou a segunda volta e faltam muitos jogos. Também é verdade que as outras equipas têm estado aquém do esperado. No entanto, não deixa de ser surpreendente um domínio tão avassalador. Como se explica que esta equipa, quase na totalidade composta por jovens jogadores da formação, com um treinador também em início de carreira, sem qualquer fora de série, e que inicialmente nem era vista como candidata a ganhar troféus, demonstra em campo, jornada após jornada, este nível de competência? Mesmo sendo adepto do Sporting , e estar a deliciar-me com a forma como a época está a deco