Ao acompanhar mais de perto o futebol brasileiro, também pela presença de múltiplos treinadores portugueses em terras de Vera Cruz, aprendi a conviver com a forma rude e abusada como alguns analistas e comentadores canarinhos trataram, tratam, e continuarão a tratar os profissionais lusos.
Dessa classe já consigo distinguir o trigo do joio e, mesmo com alguns excessos, entretanto punidos, torna-se compreensível, que não legítimo, algumas considerações cooperativistas. Bem vistas as coisas, apesar de estarmos em pleno século XXI, ainda existem imbecis com mentalidade medieval e isso acaba por refletir-se também no futebol.
Simultaneamente, também assisti a comentários menos corretos de técnicos brasileiros, visando os colegas estrangeiros. Não esqueço as declarações de Alberto Valentim, Argel Fuchs e Renato Portaluppi contra Jorge Jesus.
Se, mesmo condenáveis, todas as afirmações feitas por estes personagens acabaram por cair no esquecimento pela resposta dada pelos resultados, aquilo que fica dessas declarações é o incómodo e recalcamento pelas portas que foram escancaradas aos treinadores estrangeiros e quase cerradas aos locais, sendo que nada disto pode ser explicado com a nacionalidade dos intervenientes.
No entanto, o caso muda de figura quando um jogador histórico do futebol brasileiro, agora treinador, tece comentários xenófobos contra um colega de profissão.
Dentro de campo, Jorginho foi muito melhor jogador que Abel Ferreira – a comparação pode ser feita porque actuavam na mesma posição (lateral-direito) – já como técnico, o português, apesar de poder considerar-se estar ainda em início de carreira, já demonstrou estar muitos níveis acima. Nada disto tem relação alguma com a nacionalidade de ambos. Jorginho era mais qualificado como jogador. Abel Ferreira é muito melhor como treinador. Ponto final. Nem há espaço para discussão.
Aquilo que pode, e deve, ser discutido é o discurso de Jorginho contra o técnico luso. E, perdoem-me alguns analistas brasileiros que acompanho com atenção, e cujas opiniões tenho em grande consideração, não se pode relevar as palavras xenófobas proferidas por Jorginho nem tentar encontrar justificações porque foram ditas com todas as letras e intenção.
Com toda a sinceridade, sempre pensei que o Brasil, por ser fruto da mescla de diferentes povos e culturas, estivesse longe de sentimentos tão primários como o racismo e a xenofobia. Aos poucos tenho-me apercebido que isso, não podendo ser generalizado, está muito incrustado na sociedade brasileira. Mais chocante é perceber que têm sido figuras mediáticas, que até já viveram como imigrantes, os primeiros a dizerem barbaridades escrotas de forma pública e continuada.
Durante algumas temporadas tivemos o privilégio de ver, nos estádios europeus, a qualidade técnica de um dos melhores laterais da sempre e que, tenho a certeza absoluta, foi acarinhado por todos os adeptos como se tratasse de um local. E por isso a minha estranheza e repúdio pelas declarações de Jorginho.
O meu asco não existe porque o alvo foi Abel Ferreira. A minha indignação é fruto da memória da minha cultura europeia, que me pinta como colonialista mesmo que eu seja um homem do século XX, com um pensamento diametralmente oposto aos meus ancestrais.
Estamos numa era de valores mais humanos, mas esses só têm valor real quando colocados em prática, de forma permanente e indiscutível, seja com actos, seja por palavras incisivas. Estamos numa era de globalidade e essa universalidade não permite pensamentos retrógrados. Somos todos abrangidos pelo direito à liberdade, mas há uma distância enorme entre ser livre ou libertino. E proferir discursos xenófobos em plena actualidade não é exercício de liberdade de expressão, é libertinagem intelectual.
Posto isto, e tal como fiz com Argel Fuchs, declaro publicamente que as portas do meu país (Portugal) – o mesmo de Abel Ferreira – estão completamente abertas para receber o Jorginho, na certeza de que todos os meus concidadãos o vão tratar como merece ser tratado todo o ser humano, independentemente da cor, religião, tendência política ou clubística e nacionalidade. E desejo que, caso venha, consiga, dentro dos valores do meu país, que são universais, o mesmo sucesso humano e profissional que Argel tem alcançado. Nós cá estaremos para aplaudir.
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