É unanime o reconhecimento da perícia nata dos jogadores brasileiros. Ao nível do drible e criatividade não há no mundo país que se iguale ao Brasil.
Mas no futebol, o conceito de técnica individual não abrange apenas o virtuosismo e há aspectos mais importantes, e sobretudo necessários, na hora de avaliar as capacidades técnicas dos jogadores.
Os parágrafos anteriores servem de introdução para uma análise centrada numa das maiores fragilidades dos jogadores brasileiros, principalmente daqueles que nunca jogaram fora do país.
Para início de conversa também é importante referir que os adeptos brasileiros, que tanto se entusiasmam com o drible fantasista, com o passe de calcanhar, com o amortecimento de peito, sempre foram “ensinados” a ignorar detalhes essenciais para a consistência do futebol das equipas.
Essa atitude de desvalorização deve-se à forma pouco didática como a generalidade da imprensa analisa o futebol. Em vez de falar-se dos aspectos técnicos e táticos dos jogos, desenvolvem-se discussões sobre a utilização deste jogador em detrimento daquele, sobre o “timing” da substituição, ou sobre o incorrecto aproveitamento das características de um jogador, por parte do técnico.
Por outro lado, e talvez por ser uma característica muto presente nos jogadores brasileiros, embora existam excepções, grande culpa desta lacuna técnica deve ser outorgada aos treinadores, desde a formação até ao nível mais alto da hierarquia competitiva.
Apesar de ser uma questão técnica individual e de posicionamento em campo, por norma este género de situação pode ser observada na interacção entre dois jogadores, isto é, entre o que passa a bola e o que a recepciona.
Todos recordam o episódio ocorrido num jogo do Flamengo, em que Jorge Jesus gritou: “Está mal Arão!” Fizeram-se mil GIF’s e outros tantos “memes”, mas foram poucos aqueles que se debruçaram seriamente sobre as razões dessa exigência do treinador português.
Para a maioria a explicação desses gritos estava no posicionamento errado de Arão e ponto. Só que a verdade é mais extensa e essa cobrança de posicionamento é também uma forma de colmatar a tal “deficiência” técnica dos jogadores brasileiros.
Passemos então à descrição do défice técnico em causa.
São poucos os jogadores brasileiros que sabem fazer uma recepção orientada. Algumas das razões já foram explicadas em parágrafos anteriores, mas falta a justificação para eu ter referido que este aspecto do jogo envolver dois jogadores. Não há quem faça uma boa recepção orientada sem receber um bom passe orientado. Por muita capacidade técnica que exista, não há jogador que consiga dar fluidez numa jogada quando tem de corrigir o seu posicionamento para receber uma bola mal enviada.
Para a maioria das pessoas este detalhe é apenas isso: um detalhe, no entanto, quando o passe é bem executado e a recepção é orientada consegue-se dar maior velocidade ao jogo e há mais hipóteses de, no somatório de várias acções destas, conseguir-se ultrapassar linhas da equipa adversária e chegar mais rápido à área adversária.
É evidente que esta forma de explicar a importância da recepção orientada é básica, mas não deixa de ser pertinente quando tentamos analisar algumas partidas do futebol brasileiro.
Um bom exemplo no uso correcto desta valência é o Athletico Paranaense. Quem observar com atenção o jogo, da equipa orientada por Scolari, vai detectar facilmente que a qualidade dos passes e a recepção orientada, executadas ao primeiro/segundo toque, permitem quebrar linhas com mais facilidade, desposicionar adversários e, assim, chegar mais rapidamente à área contrária.
Este défice técnico, que para muitos continuará a ser um mero detalhe, é tão relevante que acaba por ser uma das principais razões que explicam as dificuldades que alguns treinadores europeus têm encontrado para desenvolverem os seus modelos de jogo, mais assentes na técnica individual do que no virtuosismo.
Numa outra perspectiva, e para que os brasileiros que lerem este texto entendam a real importância deste assunto, é também a contar com esta lacuna que os clubes europeus contratam jogadores cada vez mais novos para, com tempo, incutir-lhes essa valência, acrescentando valor ao que, por natureza, já é valioso.
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