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Época de bom senso - Emanuel Lomelino

A sequência de eventos que tem assolado o futebol português, nas últimas semanas, teve o condão de aflorar na minha memória episódios vividos em vários estádios.

Sem ser exaustivo nos pormenores, que deixo para outros textos, e de forma genérica, mas verdadeira, estive em muitos dérbis e clássicos, tanto na Luz como em Alvalade, que posso usar como exemplos de sã convivência entre adeptos de várias cores clubísticas.

Muitos desses jogos aconteceram entre o final dos anos oitenta, princípio dos noventa, época marcada pela extrema violência hooligan em toda a Europa, mas que não tinha repercussão, ou replicação, nos nossos estádios.

São incontáveis as vezes que estive entre adeptos dos rivais, equipado com as cores do meu Sporting, sem que tivesse ocorrido qualquer provocação, insulto ou incidente violento. Bem pelo contrário. Havia sempre um ambiente de festa e tolerância.

Como referi, não farei um relato exaustivo de situações. Usarei apenas um episódio que, mesmo sendo incomum e, talvez, um extremo da boa relação, retrata fielmente como eram vividos esses jogos.

Este episódio específico aconteceu na bancada norte do antigo Estádio José de Alvalade, num clássico Sporting x Porto.

Nesse dia estava com um grupo de amigos (alguns portistas) e perto de nós estava um outro grupo (também misto).

Um dos meus amigos entrou com uma corneta de plástico (antepassado da vuvuzela, mas menos irritante) e, volta e meia, soprava o instrumento. Aquando do anúncio da equipa titular do Sporting, ele fez soar a corneta após ouvir-se cada nome. Imediatamente um dos elementos do outro grupo pediu-lhe a corneta emprestada para fazer o mesmo com os jogadores azuis e brancos. O simples facto de ele ter acedido ao pedido provocou um enorme aplauso de reconhecimento, por parte dos adeptos portistas, de ambos os grupos.

Este simples gesto teve o condão de transformar dois grupos distintos em imediatos parceiros de bancada e as conversas, até aí, entre os elementos de cada grupo, passaram a envolver ambos.

O entrosamento foi de tal ordem que o nosso grupo foi convidado, pelo outro, a servir-se do enorme saco de amendoins (deveria ter uns dois ou três quilos) que eles tinham levado para a bancada.

Recordo que, antes do intervalo, alguns integrantes de ambos os grupos foram comprar copos de cerveja para todos e, assim munidos (cerveja e amendoins) tivemos uma tarde de convívio fantástico que nem me recordo do resultado do jogo – o menos importante, bem vistas as coisas.

Este foi apenas um pequeno exemplo de sã convivência e bom senso, entre adeptos de diferentes cores, num dia de jogo.

Poderia usar muitos outros para contrapor aos acontecimentos recentes que mancham a imagem do futebol português. Mas, se calhar, a questão é mesmo essa. Já ninguém se preocupa em manter uma imagem limpa.

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