Na sequência de algumas tragédias que têm vindo a acontecer em estádios de futebol, voltou-me à memória aquela fatídica tarde (7 de Maio 1995), no antigo Estádio José de Alvalade, em que faleceram dois adeptos e dezenas ficaram feridos, devido à “queda” de um varandim. Adiante explicarei as aspas.
Recordo que havia um enorme entusiasmo em redor desse jogo (Sporting x Porto) e o ambiente era de festa.
Nesse dia fui acompanhado pelos meus dois habituais parceiros destas andanças (Miguel e Joaquim) e um primo do Miguel, que tinha vindo, propositadamente, da Alemanha, para assistir a essa partida.
Lembro-me que entrámos bem cedo no estádio e por isso, em vez de irmos para as bancadas, decidimos ficar a vaguear pelos corredores. Encostámo-nos, os quatro, num dos múltiplos varandins existentes e ficámos ali a conversar e a ver a movimentação no exterior do Estádio.
A determinada altura, alertados pelo alvoroço de quem estava lá em baixo, vimos que o autocarro do Porto estava a chegar. Quase de imediato, um polícia chegou perto de nós e pediu-nos que nos afastássemos do varandim. No momento que nos virámos para aceder ao pedido, ainda não tínhamos dado dois passos, surgiu uma multidão de adeptos das bancadas, em corrida desenfreada e enfurecida na nossa direcção, que nos dificultou a retirada.
Aqui chegado tenho de fazer um parêntese para dizer que tudo aconteceu tão rápido (numa fracção de segundos) que, ainda hoje, não sei como consegui registar tantos detalhes.
Continuando…
Recordo-me que, enquanto aquele mar de gente chocava contra nós, levei um empurrão tão grande que girei 180 graus e vi o polícia, que nos tinha abordado, completamente atordoado, cabelo desgrenhado, sem chapéu e com a farda toda amassada, como se tivesse acabado de acordar depois de dormir num palheiro.
Quase em simultâneo com esta imagem, recordo a gritaria dividida entre insultos e pânico, e notei que o pessoal que passava por mim começou a desaparecer como se o chão se tivesse aberto sob os seus pés. Ao lado do “buraco”, encostado de costas num pilar, completamente pálido, estava o primo do Miguel, e mais gente desaparecendo à minha frente.
Apesar de atónitos com o que estávamos a presenciar, ouvimos o coitado do polícia pedir-nos, e a outros que ali estavam, principalmente membros da claque Juve Leo, para o ajudarmos a fazer um cordão para impedir que mais gente fosse para aquele local e caísse. Assim fizemos. Apesar das dificuldades, e com a chegada de mais policias, foi conseguido estancar a avalanche humana.
No meio de todo o caos consegui ver o Dr. Domingos Gomes (médico do Porto) sair do autocarro da equipa e ser alvo da ira de alguns imbecis que não estavam a entender o que estava a acontecer. Recordo-me de ver o capitão João Pinto, à porta do autocarro, a protestar contra esses mesmos imbecis.
Aqui volto a fazer um parentese para dizer que, apesar de ter presenciado a “queda” do varandim, só fiquei a saber a real dimensão da tragédia mais de meia hora depois, quando na instalação sonora do Estádio começaram a anunciar nomes pedindo-lhes que entrassem em contacto com familiares que estavam a ligar para pedir informações sobre o seu paradeiro.
Lembro-me de ver algumas pessoas pedirem, a estranhos, para usar o telemóvel (nessa altura poucos tinham), para tranquilizar a família.
Recordo os rumores, boatos, exageros, descrenças e piadas de mau gosto que, entretanto, iam surgindo.
Cada vez que recordo esse dia, a primeira imagem que me vem à memória é do Polícia amassado e do primo do Miguel, branco como cal.
O meu último parentese é sobre a disparidade nos números. Não posso contestar que faleceram dois adeptos e que algumas dezenas ficaram feridos, mas acredito, mesmo não sendo religioso, que a tragédia não foi pior por puro milagre, tendo em conta que caíram umas duas a três centenas de pessoas, ao contrário do que foi anunciado na época.
Para terminar o relato desta minha memória, passo a explicar a razão que me levou e colocar aspas na “queda” do varandim. O varandim não caiu, foi derrubado por uma avalanche humana, que saiu das bancadas, cujo peso e pressão provocaram a cedência dos suportes e consequente tragédia.
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