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Imprensa: coerência, incoerência ou sacanagem - Emanuel Lomelino

Todos sabemos que, apesar de usarmos a mesma língua e as palavras terem o mesmo significado, existe quase um abismo cultural entre Brasil e Portugal. E isso também se aplica na hora de reflectir sobre futebol.

Embora as diferenças sejam entendíveis, e até traduzíveis, existem situações que escapam inteiramente à compreensão porquanto estão mais no capítulo da incoerência que do conhecimento futebolístico.

Senão vejamos:

Recentemente, o Flamengo desfez-se de um jogador que, por diferentes razões, e até opiniões, pouco espaço teria para, pelo menos, fazer sombra aos titulares dessas posições. Falo de Natan (20 anos).

Mesmo saindo emprestado, para o Red Bull Bragantino, por tudo aquilo que pude acompanhar em Portugal, nos jogos transmitidos pelo Canal 11, acho que ainda poderia ser muito útil ao clube.

O empréstimo é mais estranho porque o jovem jogador, apesar de duas ou três situações complicadas, esteve muitos furos à frente dos mais tarimbados Leo Pereira e Gustavo Henrique.

Seja como for, e porque o empréstimo está feito com valores estipulados para futura aquisição obrigatória, na minha opinião, o Flamengo vai ganhar menos do que poderia.

O jogador tem um enorme futuro pela frente e, salvo uma quebra surpreendente, acredito que, em pouco tempo, será um dos melhores na sua posição. Penso que, ao contratá-lo, o Red Bull Bragantino enxerga o mesmo que eu, e vai faturar aquilo que poderia ser do Flamengo.

Mas o que tem o caso Natan a ver com o início deste texto?

Ficou bem claro, em algumas análises feitas por jornalistas brasileiros, que há mais a preocupação de alinhar as opiniões sobre o empréstimo com algumas críticas feitas ao jogador, durante o último campeonato, do que reflectir sobre o que de bom Natan demonstrou.

Tal como referi no início, a língua é a mesma e as palavras têm o mesmo significado, no entanto, a maior diferença na hora de comentar é o grau. Enquanto na europa uma má actuação é uma má actuação, no Brasil é uma actuação ruim.

Ora, no dicionário de língua portuguesa, “mau” significa qualidade fraca ou insuficiente. Já “ruim” é sinónimo de imprestável ou funesto. Assim sendo, “mau” é melhorável e “ruim” é incorrigível.

Neste sentido, é óbvio que ter qualificado algumas actuações de ruins inibe os jornalistas de apelidarem o empréstimo do jogador como despropositado.

É apenas uma questão cultural, de grau? Creio que não. Acho que é mais uma questão de má-fé e tentativa abusiva, dos jornalistas, de quererem demonstrar que são coerentes nas críticas que fazem.

Mas essa busca de coerência está enferma de incoerência por diversas razões. Mais tarde, dependendo do trajecto de Natan ao serviço do Red Bull Bragantino, vão aproveitar estas críticas que agora fazem para justificar opiniões futuras.

Se as coisas correrem mal ao jogador, logo virão, insuflados, dizer que já tinham avisado que o jogador era ruim. Se as actuações forem boas e o jogador provar ser aquilo que, para mim e para o novo clube, já revelou ao serviço do Flamengo, logo virão, mais insuflados, dizer que a culpa é do Rogério Ceni por não ter sabido aproveitar e melhorar as qualidades do jogador, enquanto o teve ao seu dispor.

Sim, existem diferenças culturais entre Brasil e Portugal, mas há coisas que são iguais. Por exemplo, esse jeitinho de fazer as coisas de modo que, de uma forma ou de outra, a razão esteja sempre do mesmo lado. Isso não é jornalismo, é sacanagem.

Leiam também:

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